sábado, 17 de maio de 2014

Conservadorismo, re-volução ou não: o espectro da (in)tolerância.

"Cresci", convivendo razoavelmente bem com algumas ambiguidades. Me parece, desde muito tempo, muito comum que convicções e escolhas se contradigam. Que hajam sempre diversos pontos de vista. Que o certo e o errado podem ser avaliados sob muitas perspectivas. Com isso, procurei em meio aos aprendizados possíveis me atentar para tentar compreender os posicionamentos que não fossem iguais aos meus. E se não pudesse compreender, ao menos respeitar.

Nos últimos tempos tenho observado um fenômeno que, se não fosse aos meus olhos trágico, seria no mínimo interessante: a mostra cotidiana de conservadorismo em diversos setores, sob diversos formatos e sob os mais absurdos pretextos.

Um dos exemplos que posso citar, e que apareceu claramente no ano passado (2013), foi a presença explícita de um número significativo de jovens com ideais "de direita" nas manifestações de junho. Assim como a presença, também explícita e significativa, de jovens defensores de bandeiras fascistas e neo-nazistas. Mas como demoro a acreditar em certas coisas, vi, tentei refletir sobre, não encontrei forma para isso e guardei pra amadurecer as ideias.

Outro exemplo são as atuais, bem atuais, manifestações de ódio nas redes sociais, em especial no facebook, onde é possível presenciar a maciça inversão de valores em postagens, nos compartilhamentos, curtidas e comentários sobre fatos de relevante interesse histórico ou sem relevância nenhuma. São manifestações de ódio, de desejo de morte, de desrespeito, enfim, mostras claras de intolerância.

Tomando esses dois exemplos seria muito óbvio e simplista fazer uma análise crítica, onde eu defenderia o meu ponto de vista com base nas minhas crenças e convicções teóricas, vivências, enfim, diante daquilo que tenho como ponto de vista. E seria óbvio também concluir que trata-se de um fenômeno característico dos tempos atuais, onde alimentamos um sistema de informação que desinforma, um sistema educacional que não comporta suas demandas, uma estrutura socio-política sem credibilidade institucional e uma vida regrada à base do que podemos consumir.

É isso. Mas não é só isso. Vejo que o problema em questão esconde algo mais complexo ainda por trás de seus arranjos críticos óbvios. Portanto, tenho me perguntado constantemente: onde costuma ser guardado, alimentado, conservado e cultivado essa arbitrariedade de pensamentos e ideologias? Quem guarda? Quem alimenta? Quem conserva? Quem cultiva? Onde tudo isso se dá?

Me pergunto, procuro, leio, escrevo, observo... e eis que por muitas vezes chego ao mesmo ponto: não há um sujeito nominável responsável por todas essas questões. Também não há sujeitos. Não há personas. Não há e há, ao mesmo tempo. Seja sob a forma abstrata de estigmas, processos e percepções ou sob a forma linguística de nossos diálogos, códigos e gesticulações. E a linguagem é uma arma perigosa, pois comporta ataque e defesa simultâneas; explicita enquanto obscurece; informa enquanto desinforma. A linguagem é um ponto fundamental para essa reflexão, mas não é o foco. Elejo como foco "nós". Os que se preocupam com essas questões. Os que especulam. Os que temos sede de re-volução.

Poderíamos falar de uma crise de identidade que atinge os mais jovens. Ou acusar uma malfadada herança de experiências democráticas demarcada por resquícios de regimes totalitários sanguinários que nos marcaram para sempre. Ou simplesmente denunciar que no século XXI o capitalismo passa por um processo de transição para chegar ao estágio absurdo da barbárie anunciada há séculos atrás. Poderia dizer também, que tudo isso não passa de uma necessidade da razão prática, que sendo refém da natureza, coloca-nos nessa emboscada para que cresçamos mais uma vez enquanto espécie do topo da "cadeia alimentar". E até que é bem isso. E nada disso é.

Me permito, por hora, reduzir o tal fenômeno do conservadorismo atual em uma única palavra: resignação. Pois, muitas vezes, em detrimento de rupturas transplantamos (falo das gerações de 100 anos pra cá, mais ou menos) fatores históricos às nossas análises conjunturais. Esquecemos que existe vida fora do "intelectualismo". Depois nos lembramos que há vida fora dos círculos de intelectuais de esquerda e de direita, fora dos partidos, fora dos movimentos sociais, fora das estruturas do capital. Apontamos esses "não-sujeitos", damos à eles o statos de sujeitos. Os estudamos. Paramos. E alguns poucos de nós se reconheceram como sendo um desses sujeitos. E os que assim fizeram, fizeram muito bem, pois se colocaram do lado do oprimido, diante de um opressor invisível e cruel. Lutando junto. E ainda assim, não vencendo.

Digamos que esse reconhecimento, por parte de "alguns de nós", foi um passo importantíssimo para que pudéssemos perceber o dilema atual da nossa sociedade. Mas é possível notar que esse passo não é suficiente. Há um outro reconhecimento, muito mais doloroso e complexo. E que é tão antigo quanto a proposta-fato de se reconhecer como oprimido, o de se perceber opressor. De entender que somos nós, intelectuais, partidários, militantes (de esquerda, centro, "sem partido") e oprimidos convictos que também reforçamos essa onda conservadora contemporânea. Nós, ao passo que tentamos desconstruí-la de um lado, a alimentamos do outro.

Desconstruímos levantando nossas bandeiras, indo às ruas, denunciando, se doando às causas que julgamos justas. Mas alimentamos, quando não conseguimos abrir mão das nossas "zonas de conforto", dos nossos laços perfeitos, nossos enquadramentos pessoais... quando nossos microcosmos estão acima de nossos ideais, ao ponto de defendermos algumas máximas que nos engessam, mas nos confortam. Coisas do tipo "vamos lutar contra o capital por dentro do sistema", "nós temos que ser revolucionários dentro das nossas casas também", "eu sei que tá errado, mas família é família", etc. Não digo que há de se romper abruptamente com esses mimetismos tão comuns entre nós. Não digo que somos todos obrigados a romper nossos laços primários para transformar o mundo. Mas volto ao que me motivou a escrever essas inquietações no começo do meu dia: a tolerância. Que ela comece (se possível) no uso que fazemos da linguagem, ultrapasse a linguagem e nos convença de que podemos ser mais que aspirantes à transformadores das opressões alheias. Incorporemos as nossas opressões microcosmológicas nas estruturas macro de nossas atuações. E vice versa. E também não. Contra a onda "conservadorista" em curso, sejamos insultos às questões transversais... ao sistema e suas abstrações. Às demandas institucionais falidas. Às doutrinas que nos (des)orientam. Ao capitalismo que retroalimentamos (até quando somos críticos a ele). Aos valores que nos cativam. À nossa casa. A nós.

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